“Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade...”

art.5º Constituição Federal

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Ditadura, Desfaçatez, Retórica e Silêncio


Gustavo Bernardes*

Em recente entrevista aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros o ex- delegado do DOPS Claudio Guerra fez uma série de revelações a respeito do período da repressão no Brasil. O ex-delegado, que hoje é pastor evangélico, é apresentado como “ardiloso e implacável matador” e revela a execução sumária de militantes de esquerda e ainda como os corpos desses militantes foram incinerados para nunca mais serem achados por seus familiares.
Além de todo o teor aterrorizante da entrevista que virou o livro Memórias de uma Guerra Suja, o que também pode nos levar a uma reflexão é a liberdade e desfaçatez com que os personagens desses atos de terrorismo de Estado fazem tais revelações abrigados pela chamada Lei da Anistia.
A Lei da anistia é o nome popular da Lei n° 6.683, que foi promulgada pelo presidente Figueiredo em de 28 de agosto de 1979, ainda durante a ditadura militar e previa a anistia ampla, geral e irrestrita. Obviamente a lei alcançou os políticos cassados durante a ditadura militar, os militantes de partidos clandestinos, militantes que participaram de ações de resistência à ditadura militar mas PRINCIPALMENTE a lei alcançou os torturadores, as autoridades coniventes com a tortura, aos violadores do Estado Democrático de Direito. Todos foram colocados no mesmo saco de gatos. 
Antevendo seu fim, a estratégia do regime militar foi a de garantir, através da Lei,  a liberdade e a desfaçatez de seus agentes o que, até o momento, tem surtido os resultados  esperados, principalmente perante parte do Poder Judiciário e certa parcela da mídia. Essas mesmas instituições não se cansam de buscar os atos de violência praticados pelos militantes de esquerda como forma de justificar o terrorismo de Estado perpetrado pelos agentes do regime militar, mesmo que esses militantes tenham permanecido presos, muitas vezes ilegalmente ou clandestinamente, sob ameaças e torturas. Sem dúvida muitas instituições no Brasil demonstram o quanto ainda são devedoras dos favores do regime militar e somente isso pode justificar a reiterada comparação entre militantes de esquerda e agentes do regime militar. Com certeza não associam à luta dos militantes à luta pela democracia; insistem no entendimento de que se tratava de uma guerra entre comunismo e capitalismo, considerando o regime militar como um mal menor, pois o pior seria viver sob o socialismo, independente da vontade popular.
Essa lógica demonstra que a vontade popular, para a elite brasileira, só tem importância se for para manter o poder nas mãos dessa mesma elite. A esquerda no Brasil, por sua vez, já havia entendido que deveriam jogar o jogo do Estado Democrático e estavam obtendo bons resultados. Resultados esses que não interessavam a oligarquia local que prefere uma democracia pela metade ou uma boa ditadura.

Portanto, comparar militantes de esquerda que lutaram pela democracia no Brasil com torturadores do regime militar é o mesmo que comparar a resistência francesa aos colaboradores nazistas na 2ª Guerra Mundial e achar que ambos devessem ser submetidos a julgamento. Os argumentos técnico-jurídicos a respeito da validade da Lei da Anistia para ambos os grupos não passam de retórica para evitar o debate que o Brasil precisa fazer e, não o fazendo, viveremos entre violadores descarados.

*Militante de Direitos Humanos

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